Verão assim assim

A história de Portugal nas escolas termina no 25 de abril de 1974, quando muito fala-se da entrada de Portugal na CEE. Pertenço a uma geração que nasce livre, onde rapazes e raparigas estudam lado a lado, onde os grupos de jovens podem juntar-se para conviver e onde se namora na rua. Por estas razões, o que se sucedeu após a revolução de abril e a constituição de 1976 é para mim confusa.
Comprei na feira do livro de Lisboa deste ano o livro Verão Quente, de Domingos Amaral. Sei que o autor vende bem, tem recebido boas críticas, nomeadamente com o seu livro Enquanto Salazar Dormia. Ao ler a contracapa chamou-me a atenção o facto do enquadramento histórico ser precisamente o verão quente de 1975, ou seja, o período de instabilidade política e social que quase culminou numa guerra civil em Portugal. Contudo, este livro deixou-me indiferente, ou seja, é um livro “insosso”, desinteressante. Considero que as personagens são muito parecidas, o erotismo roça o ordinário gratuito e as emoções são mal exploradas. A escrita é pouco desenvolvida, falta profundidade, parecendo que foi escrito à pressa.
Nunca tinha lido nada do autor e, apesar da minha apreciação geral, gostaria de ler o livro Enquanto Salazar dormia, de forma a perceber se foi apenas um mau livro, ou se de facto a sua escrita é fraca.

De volta às origens

As Pequenas Memórias é um livro autobiográfico que retrata os primeiros 20 anos de vida de José Saramago. Através de pequenos episódios seguimos numa viagem fragmentada pelas memórias do escritor. Podemos conhecer o percurso de um rapazinho de origens humildes, com sonhos, com experiências sexuais e desafios perante os seus pares. Assistimos a um lado mais pessoal, íntimo, do nosso prémio Nobel e reconhecemos elementos que influenciarão a sua personalidade e escrita. Um livro que interessará a quem quiser conhecer melhor a pessoa que foi Saramago.

“Aquilo que o coração ama fica eterno.”

Estou de luto. O Brasil está de luto. O mundo está de luto. A literatura em português perdeu dois nomes de peso: João Ubaldo Ribeiro e Rubem Alves. Muito haveria a dizer. Parece que o primeiro se encontrava a escrever um romance… O segundo, para além da sua escrita de géneros diversos, é tido como uma das mais relevantes personalidades no cenário teológico brasileiro.

O que mais admiro nos génios é que a sua essência não morre, persiste imortalizada nas suas obras, disponíveis para a leitura e releitura sempre que o leitor queira.

Quem peca é aquele que não faz o que foi criado para fazer.
João Ubaldo Ribeiro

(Agora é ver a indústria livreira a ganhar dividendos…)

Ouvidos moucos

Quando a árvore é pequena, o jardineiro orienta-a como quer. Mas quando a árvore cresceu, já não pode re-orientar as suas curvas e sinuosidades.
Abu Shakur

Hoje foi um dia crucial para entender que os jovens de hoje não sabem estar, não sabem ouvir e não querem aprender. Há dias difíceis.

Histórias de encantar

Sempre que vou às compras acompanhada, a minha filha tenta ganhar algo em troca. Confesso que por vezes tenho dificuldade de lhe dizer não. E quando são livros… Bem, no outro dia ela descobriu uns livros interessantes num supermercado “alérgico ao multibanco”. Não é sobre este último aspeto que quero comentar, mas sim a relação qualidade/preço destes livros. 

Quando peguei nos livros para ver de que se tratava, reparei que tinham boas ilustrações, capa dura, pequenos (o que é uma vantagem quando contamos histórias na cama), um cd com 1 música e a história narrada, e o preço de 2.99€ cada. Comprei-lhe dois livros, claro está.

Quando chegámos a casa, coloquei o cd a tocar. Ficou agradavelmente surpresa por descobrir que o livro tinha acompanhamento musical. Basicamente, em quase todas as páginas, temos uma quadra cantada inserida na história. Assim, no CD temos a possibilidade de ouvir a história normalmente com essas quadras no meio ou escolhemos a música que toca todas tudo de seguida, formando a história.

À noite contei-lhe eu as histórias e ela gostou muito. Ainda me fez cantar algumas partes. No final do livro contém a psicologia do conto, possibilitando aos pais a exploração da moral da história.

A coleção chama-se Histórias de Encantar, é composta por 36 livros de contos tradicionais e são redigidas com o Novo Acordo Ortográfico.

Aconselho!

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Traumas

Pergunto à turma se alguém teve na infância algum familiar que lhes contasse histórias. Apenas um coloca a mão no ar. Outro, depois de uma pausa, diz que o seu pai também lhe contava histórias todos os dias quando chegava a casa… bêbedo. Silêncio. Perguntei se isso ainda acontecia, pois estamos a falar de uma turma onde todos são maiores de idade. Ele responde-me que há poucos anos que parou, mas que nunca mais esqueceu as suas “histórias”.

O caos é uma ordem por decifrar

No passado dia 18/06 fez quatro anos que José Saramago morreu fisicamente. E digo fisicamente porque as suas palavras continuam vivas nos seus livros e nos seus leitores. Nos últimos anos da sua vida, o escritor dizia que só gostava de ter mais tempo, pois sabia que a morte urgia e ainda tinha muito por dizer, fazer, escrever.

Para assinalar a data, a Fundação José Saramago planeou uma programação especial. Tive a sorte de poder aproveitar algumas das iniciativas desta fundação que tanto trabalha para manter vivo o papel de Saramago na cultura portuguesa. Estive presente na antestreia do filme Enemy, ou em português O homem Duplicado, adaptado livremente do livro homónimo do escritor. O cinema São Jorge estava cheio, contando com a presença de algumas individualidades da literatura portuguesa. Confesso que apesar de ser um dos meus autores preferidos, nunca li o livro em  questão. O que até foi bom, para ter a mente aberta sem ferir espectativas. Gostei muito do filme, é um thriller surpreendente e provocante sobre dualidade e identidade. Deixa-nos sempre colados ao ecrã esperando um desenvolvimento. Tal como se pretende na literatura, também este filme não dá explicações do que aparece, mas sim caminhos para que o espectador possa interpretar a simbologia do filme ou dos elementos inseridos aparentemente sem lógica. No final do filme pude reparar que foram muitos os que ficaram sentados nas cadeiras a olhar para os telemóveis talvez à procura de explicações para o que tinham acabado de ver. Não esqueçamos da frase que Saramago selecionou do Livro dos Contrários para epígrafe do seu livro O homem Duplicado:  “O caos é uma ordem por decifrar”. Cabe assim ao leitor/espectador desvendar o caos. A mim cabe agora ler o livro.

Outra das iniciativas para celebrar o 4º aniversário da morte de Saramago foi a entrada gratuita na Fundação. Como havia marcado uma visita guiada para uma turma dos cursos profissionais, pudemos usufruir desta promoção. Mas o dia ficou completo com a presença simpática, acessível e cheia de energia de Pilar del Rio. Foi muito emocionante para mim e para os estudantes poder falar com ela e tivemos ainda a oportunidade de tirar uma fotografia de grupo. Sempre a considerei uma mulher de personalidade forte e admiro-a pela sua energia de viver, como a própria diz teremos tempo para descansar toda a eternidade.Agora é que é a hora de viver. E foi esta energia que contagiou Saramago. O próprio afirmou que se tivesse morrido aos 63 anos, antes de ter conhecido Pilar, teria morrido certamente muito mais velho. Peço desculpa pela minha educação romântica, mas adoro esta declaração de amor…

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Odores mágicos

A porta de vidro espelhava mais um dia de trabalho. Abrindo-a respirava o odor culturalmente cativante. Após um click as letras reuniam-se de novo agrupadas em linha. E quando entra o primeiro cliente as letras deixam de dançar e acordo para a realidade.
Era assim que eu sentia quando abria a porta da livraria onde trabalhava. Tenho uma relação romântica com o livro impresso. Custa-me ler no tablet, não tem cheiro, não tem a mesma magia. Ao longo da minha vida, a partir mais ou menos do secundário, fui juntando uma pequena biblioteca doméstica. Tenho pena de ter iniciado o gosto pela leitura tardiamente e por não ter ” herdado” livros da minha família. Quando me casei também os meus livros se uniram aos do meu marido e multiplicaram-se. As paredes do nosso escritório ficaram cobertas de livros. Tivemos até de mandar fazer estantes por medida. Que bem que me sentia no meio deles. E o gosto de saber que já me tinham feito viajar. Hoje esse escritório já não existe. Foi substituído por uma tenda de princesa, uma cama, paredes rosa e uma cozinha de brincar. Os livros, esses foram trasladados para a garagem, com o respeito que merecem, ordenados por classificação e ordem alfabética.
Neste fim de semana terminou mais uma feira do livro em Lisboa. Fui lá duas vezes, mas gostava de ter ido mais. Senti-me como uma criança numa loja de doces, com dificuldade de escolher quais a levar. Ali não cheirava a morango, mas sim a papel, o cheiro a livro novo. Fica a foto dos livros que comprei da segunda vez. Faltam os livros infantis. Esses já arrumado numa estante própria. Ficará para outro post.

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O 5º império

Os ingleses adoram-nos. Os alemães também. Adorar será exagero… gostam do nosso país para fazerem turismo num país conhecido pelo seu clima ameno, pela boa comida, pela hospitalidade e pelos baixos preços. Fora isso, somos sempre lembrados como um país na cauda da Europa, ocupado pela Troika e por termos o Cristiano Ronaldo. Desculpem a referência ao futebol e aos alemães no mesmo post, no dia 16/06/14.

Não sou pessimista e não considero que o nosso país seja lixo (desculpe lá Agência Moody’s). Incomodam-me algumas pessoas admitirem que em Portugal não há nada de bom, de que se possam orgulhar e assumirem mesmo a vergonha de serem portugueses. Muitas delas nem sabem o que se passa nos outros países nem saíram sequer da sua cidade. Considero que são acima de tudo ignorantes e, não querendo ofender ninguém, falo aqui da abstração completa de querer saber mais. E já não falo da história de Portugal, pois essa tem sempre o lado mais obscuro, mas então e o sermos o maior exportador de cortiça? E a qualidade do nosso vinho e azeite? E termos uma tradição literária exemplar, com um poeta que foi genial na criação da heteronímia ou com um escritor que nasce no seio de uma família criadora de porcos e se transforma no único prémio nobel de literatura em língua portuguesa… Muitos argumentos poderia facultar para mostrar como Portugal não é assim tão mau.

De facto não sou mesmo pessimista… alguém que há mais de três anos não tem um vínculo de trabalho e que foi prejudicada por erro do Estado falar de orgulho português…

Para Camões, Portugal era o cume da cabeça da Europa, para o Padre António Vieira e Fernando Pessoa, Portugal era o cabo ou rosto do ocidente. Basicamente acreditavam num país com vocação intelectual que conduziria a Europa para um outro plano, o 5º império. Pois bem, (ainda) Falta cumprir-se Portugal.

Será este orgulho presente nos nossos antepassados o que falta para retirar o nosso país da inércia? Para passarmos da cauda para a cabeça da Europa?

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Europa regina in Sebastian Münster’s “Cosmographia“.